- Guilherme Purvin -
O Museu Paulista foi fechado em 2013. A promessa é de que será reaberto em setembro deste ano, para as comemorações do bicentenário da Independência do Brasil. No entanto, é possível visitar a maior parte aberta do Parque da Independência: somente os jardins diante do museu permanecem inacessíveis.
O Parque da Independência é toda a área ao redor do museu e avança até o Riacho do Ipiranga, terminando na Avenida Dom Pedro I. Nos tempos do ginásio (isto é, do Fundamental II), às vezes eu voltava para casa descendo as escadarias do parque e a pista asfaltada onde hoje o pessoal desce de skate, contornava à Praça do Monumento (pois não havia ponte sobre o Riacho do Ipiranga) e seguia rumo à Avenida Dom Pedro I, não prestando muita atenção para as árvores à direita de quem descia.
Na quinta-feira passada havia ido passear pelo bosque atrás do Museu, o antigo Horto Botânico criado por Ihering, ao qual já me referi neste texto. Por conta das informações obtidas num site da Prefeitura que já mencionei ontem, fui novamente para lá, com a intenção de (re)conhecer esse outro trecho do parque, onde há "bosques heterogêneos com araribá-rosa (Centrolobium tomentosum), eucalipto (Eucalyptus sp.), figueira-benjamim (Ficus benjamina), jacarandá-mimoso (Jacaranda mimosifolia), jaqueira (Artocarpus heterophyllus), paineira (Ceiba speciosa), palmeiras, peroba (Aspidosperma polyneuron), sibipiruna (Poincianella pluviosa var. peltophoroides) e tapiá-mirim (Alchornea triplinervia). Já foram registradas 166 espécies vasculares, das quais estão ameaçadas de extinção: cedro (Cedrela fissilis), palmito-jussara (Euterpe edulis), pau-brasil (Paubrasilia echinata) e pinheiro-do-paraná (Araucaria angustifolia)" (Cidade de São Paulo - Verde e Meio Ambiente - Independência).
O trajeto percorrido é este marcardo em vermelho no mapa. Começa numa área onde, dependendo do horário e do dia, consegue-se estacionar o carro (bem ao lado do Instituto Lula, na esquina da Praça da Independência com a Rua Pouso Alegre).
É preciso atravessar a avenida e subir até a Rua dos Sorocabanos, por onde consegue-se entrar no parque. Em vez de descer as escadarias centrais na direção do monumento, segui pela calçada comprimida entre os muros do jardim e as cercas separando o parque da feira de artesanato e, em seguida, desci pela esquerda.
Esta placa indica que a administração do Parque da Independência cabe à Prefeitura Municipal de São Paulo. Na verdade, há uma muita polêmica entre União, Estado e Município para se saber a quem cabe a responsabilidade pela preservação de cada trecho do conjunto. O Museu Paulista propriamente dito, por exemplo, integra a Universidade de São Paulo. E o conjunto está tombado pelo CONPRESP, pelo CONDEPHAAT e pelo IPHAN - ou seja, os órgãos municipal, estadual e federal de proteção do patrimônio cultural.
Mesmo estando cercado por tapumes, já é possível perceber que a fachada do prédio do Museu Paulista foi muito bem restaurada. No entanto, não dá ainda para ver os jardins e as fontes entre a frente do prédio e a Rua dos Sorocabanos, que no domingo do dia 24.04.2022 estava tomada por barracas de uma feira de artesanato.
Esta rua fica do lado direito de quem desce o parque, começando na Rua dos Sorocabanos. À sua direita há um muro separando o parque do chamado "Palácio dos Cedros" - um conjunto arquitetônico luxuoso e bem preservado, da época em que aquela região do Ipiranga era dominada por mansões. O prédio já foi ocupado pela seita Hare Krshna. À época em que eu trabalhava na Procuradoria do Patrimônio Imobiliário da PGE-SP, lembro-me de uma pendenga judicial relativa à propriedade do imóvel - salvo engano, tratava-se de uma enfiteuse instituída pelo Estado de São Paulo em benefício de duas senhoras (a confirmar). Hoje aquilo é uma espécie de buffet e é uma lástima que não esteja integrado ao conjunto do Parque da Independência: poderia constituir um belíssimo anexo ao Museu Paulista.
Saio da pista asfaltada e subo uma colina onde está o outro fragmento de vegetação do Parque da Independência, que vou chamar aqui de "bosque da Casa do Grito". É uma faixa estreita de vegetação mas, por conta da inclinação do terreno, acaba dando a sensação de ser maior do que realmente o é, quando olhamos pelo mapa do Google. Além disso, mesmo sendo uma área pequena, considerando a absoluta falta de áreas de vegetação nativa em São Paulo, não pode ser desprezada. Seguem mais três fotos tiradas durante a trilha rumo à Casa do Grito:
Ao final da trilha, encontro uma estátua de Dom Pedro I, presente dos maçons à municipalidade e que foi inaugurada em 25 de janeiro de 2020 na presença do Exmo. Sr. Vice-Presidente da República, General Mourão. Infelizmente não logrei êxito em descobrir quem foi o autor da escultura, que tem uma interessante peculiaridade: as pernas, a partir do meio das canelas até os pés do imperador estão afundadas no bloco, transmitindo a sensação de que ele foi imobilizado quando, acidentalmente, pisou numa caixa de cimento fresco.
A trilha pelo bosque lateral termina na famosa "Casa do Grito", que não é, como alguns poderiam pensar, a residência do personagem do Edvard Munch, mas um raríssimo exemplar de construção em pau a pique, que acabou sendo preservada porque havia sido retratada no quadro "O Grito", de Pedro Américo.
A casa foi construída em 1844 e, portanto, não existia de fato quando da proclamação da independência, em 7 de setembro de 1822. Tratava-se de uma residência que também servia de pousada e venda para os viajantes e ficava localizada onde antigamente passava a Estrada das Lágrimas ou do Caminho do Mar. Os painéis no interior da Casa do Grito não deixam claro qual seria exatamente a estrada - ou se o Caminho do Mar e a Estrada das Lágrimas eram o mesmo percurso. Encontrei, no entanto, no site "São Paulo Antiga", uma mensagem do Professor José de Souza Martins deixada ao pé do artigo "O choro silencioso da Figueira das Lágrimas" (de Douglas Nascimento), na qual consta uma valiosa informação:
"A atual Estrada das Lágrimas, que algum burocrata oficializou com o estranhíssimo nome de Avenida Estrada das Lágrimas, é o antigo Caminho Novo do Mar, aberto do século XVI, para diferençá-lo do Caminho Velho do Mar, o primeiro, que descia a Rua da Tabatinguera, a mais antiga rua de São Paulo. Foi antes da Guerra dos Índios, de 1562, quando a vila foi atacada. Cruzava o rio Tamanduateí, enveredava pela Mooca, atravessava novamente o Tamanduateí, nas proximidades da Matriz Velha de São Caetano e cruzava a antiga Fazenda de São Caetano, dos monges São Bento. Dentro da Fazenda, o Caminho Novo, também no século XVI, entroncava com o Caminho Velho. No atual município de São Caetano do Sul, algumas ruas tem ainda o traçado desses caminhos antigos, de quase 450 anos, sobre os quais foram abertas".
A estreita faixa de vegetação visitada está comprimida por muros, cercas e tapumes, a partir do "Palácio dos Cedros" (a mansão dos Hare Krshna) e dos fundos do SESI. No entanto, o quarteirão formado pelas Ruas Leais Paulistanos, Bom Pastor e Sorocabanos contém ainda um expressivo fragmento relativamente intacto de vegetação - exatamente onde está localizada a Igreja Ortodoxa Russa do Ipiranga.
Texto e fotos: (c) Guilherme Purvin
São Paulo, 24 de abril de 2022