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  • Guilherme Purvin

Final de viagem: explorando o norte de São Tomé. Conclusões.

Guilherme Purvin


Dentre as manifestações artísticas de São Tomé e Príncipe, sobressaem as esculturas feitas em madeira. Duas figuras costumam sempre aparecer nessas esculturas: a de um homem e de uma mulher. O homem pode representar a ilha de São Tomé e a mulher, a ilha de Príncipe. Em outras esculturas, o homem é o Rei Amador e a mulher, Alda Espírito Santo. Amador Vieira foi filho de escravos angolares, nascido em São Tomé por volta de 1550 e liderou a maior revolta contra a colonização portuguesa antes do processo de sua independência, recebendo o título de rei. A revolta, porém, foi sufocada e o Rei Amador, enforcado. Alda Espírito Santo, por sua vez, é uma das mais importantes poetas da literatura de expressão portuguesa. O poema que transcrevo a seguir retrata liricamente uma cena que vimos em diversas ocasiões durante a viagem: as mulheres lavando a roupa nos riachos:


Lá no “Água Grande” a caminho da roça

negritas batem que batem co’a roupa na pedra.

Batem e cantam modinhas da terra.


Cantam e riem em riso de mofa

histórias contadas, arrastadas pelo vento

Riem alto de rijo, com a roupa na pedra

e põem de branco a roupa lavada.


As crianças brincam e a água canta.

Brincam na água felizes…

Velam no capim um negrito pequenino.


E os gemidos cantados das negritas lá do rio

ficam mudos lá na hora do regresso…

Jazem quedos no regresso para a roça.


(Lá na Água Grande. Alda Espírito Santo)


Abaixo, uma amostra do artesanato em madeira. As peças podem ser encontradas nos saguões dos hotéis ou nas ruas. Neste caso, estavam sendo exibidas no saguão do Hotel Pestana São Tomé.

Foto: (c) Guilherme Purvin
 

O trajeto deste dia é o último que faltava para concluir a série de postagens sobre São Tomé e Príncipe. Está desenhado no mapa a seguir. Para quem for fazê-lo, recomendo a leitura da postagem anterior, em especial no que diz respeito à necessidade de aquisição de tickets para ingresso na Roça Diogo Vaz. Teríamos muitas outras coisas para ver, mas já estávamos exaustos e o passeio com o sr. José Luiz foi basicamente dentro do carro, com poucas saídas.


Por mero acaso, acabamos vendo uma apresentação espontânea, sem turistas, no meio de uma feira de rua em Neves, depois de Guadalupe. Era um misto de dança e luta, algo assemelhado à capoeira, mas mais elaborado. Consegui realizar um pequeno registro em vídeo de dentro do carro, mas infelizmente não se vê quase nada. Salva-se a gravação da música ao vivo. Atrações dessa espécie podem constituir um tipo de atração turística cultural para a ilha.



Pouco mais à frente, uma das atrações é a Lagoa Azul, que na verdade não é uma lagoa, mas uma pequenina enseada de águas muito claras, protegida por uma ilhota e seu istmo. O povo local afirma que até há pouco tempo, a Lagoa Azul tinha muita areia e era possível banhar-se ali. Agora, a situação ficou mais difícil e também diminuiu o afluxo de turistas. No local, havia apenas alguns rapazes vendendo artesanato de madeira.



Foto: (c) Guilherme Purvin
Foto: (c) Guilherme Purvin
Foto: (c) Ana Bonchristiano
Foto: (c) Ana Bonchristiano
 

Mais à frente, num local chamado Monteforte, está o Padrão do Descobrimento, marco que registra geograficamente o local onde no Século XV teriam pela primeira vez desembarcado os portugueses. Há aqui uma controvérsia: a ilha era deserta e os portugueses reivindicam a primazia de haverem sido os primeiros a chegar ali. No entanto, hoje há estudiosos sustentando que antes deles, pescadores angolares já haviam frequentado a ilha, não deixando contudo nenhum registro arquitetônico de sua passagem.


Foto: (c) Guilherme Purvin
Foto: (c) Guilherme Purvin

Foto: (c) Guilherme Purvin

O lugar, com algumas mesas para pic-nic, merece uma paragem de cinco minutos pela curiosidade histórica. Afinal, o desvio não é de mais de 300 metros.

 

Inesperadamente, diante de um tunel, encerra-se o trajeto pela ilha. A atração é o tunel de Santa Catarina, o único do país e, por esse motivo, uma atração turística e orgulho da população local.


Foto: (c) Guilherme Purvin


Foto: (c) Guilherme Purvin
Foto: (c) Guilherme Purvin
 

Na volta, visitamos o que ainda resta da Roça Agostinho Neto (antiga Roça Rio do Ouro). Seu hospital, erguido em 1920, outrora um marco arquitetônico do país, está totalmente destruído e ocupado por famílias. Há dez anos a situação já era calamitosa, como se pode ler nesta reportagem do jornal O Público.


Foto: (c) Guilherme Purvin
Foto: (c) Guilherme Purvin

Não pudemos visitar a Roça Diogo Vaz, mas conseguimos tirar umas fotos.


Foto: (c) Guilherme Purvin


Foto: (c) Guilherme Purvin
 

No final do passeio, fomos tomar um banho na Praia do Tamarindo, a mais popular da região norte da ilha. A água estava deliciosa e com centenas de crianças, adolescentes e jovens se divertindo. Nos quiosques, as pessoas comiam fruta-pão assada na brasa.


Foto: (c) Ana Bonchristiano
Foto: (c) Ana Bonchristiano
 

Concluo aqui a série de postagens com o registro da viagem para São Tomé e Príncipe com algumas observações pessoais.

O país tem todos os elementos para se tornar um destino para o turismo sustentável: uma população educada e solidária, ausência de criminalidade, manifestações culturais bonitas, praias e paisagens deslumbrantes.

Acredito que muito possa ainda ser feito em termos de aprimoramento do turismo cultural, com a valorização da música e das danças populares, assim como com uma exploração maior das possibilidades no campo da literatura e da lusofonia. A parceria entre a Biblioteca Nacional de STP, o IBAP e a APRODAB pode gerar alguns bons frutos nesse campo. Mais do que isso, porém, é preciso que haja ao menos uma editora e livraria local, que imprima e distribua livros para a população - não livros de capa dura e multicoloridos, mas livros a preços acessíveis. Algumas obras de escritores santomenses que não conseguimos encontrar em Lisboa, tampouco estavam disponiveis em São Tomé. Ao que parece, o único momento em que um livro pode ser adquirido é no dia de seu lançamento.

A conscientização ambiental precisa persistir, com ênfase em São Tomé, onde parece ser menor do que em Príncipe. No entanto, é preciso ressaltar que a gestão de resíduos sólidos é um problema que não está sendo criado pelo próprio país, mas sim pelas empresas exportadoras. Todo o plástico, papel e metal nas ilhas provém das importações e não é justo pretender que o povo de STP se responsabilize sozinho pela sua destinação. A reciclagem é uma alternativa, devendo ser aplaudidas iniciativas como a da cooperativa ecofeminista a que me referi em outra postagem (vide aqui), mas sozinha não será nunca suficiente. Antes de pensar em reciclagem, é preciso imaginar formas de consumo mais sustentáveis, que não exijam embalagens, sobretudo plásticas. Talvez sem essa intenção, a Cervejaria Rozema, que produz localmente, acaba dando um exemplo: suas garrafas não têm embalagem alguma e a única identificação é a estampa na tampinha. É necessária uma legislação ambiental que responsabilize as empresas pelas suas embalagens descartáveis.

São imensos os desafios no campo das políticas de saúde, saneamento básico e educação. A desativação do hospital da Roça Agostinho Neto é altamente significativa. Seria a falta de recursos financeiros tão intensa a ponto de impedir até mesmo a manutenção de um ambulatório e a conservação do prédio? Em caso positivo, por que não contar com o auxílio da Cruz Vermelha Internacional, levando-se em consideração a vulnerabilidade da população? Ou a salvação de pessoas continuará constituindo privilégio para os poucos que podem arcar com o financiamento de transporte aéreo para um bom hospital em Lisboa?

Finalmente, penso que a criação de uma linha aérea diretamente para o Brasil poderia constituir um passo gigantesco para o fomento do turismo em STP, ainda que fosse apenas um voo semanal, possibilitando a permanência de turistas sul-americanos por uma ou duas semanas no país. Isto porque, além de muito caro, é extremamente exaustiva a viagem de São Paulo para Lisboa e, em seguida para São Tomé, às vezes com intervalo de mais de seis horas para conexão. Voos Brasil / STP abreviariam o percurso para 1/3 do que hoje é preciso enfrentar.

O que foi registrado aqui não constitui nem metade de todas as possibilidades turísticas. Não chegamos a realizar nenhum mergulho para visualização de peixes - uma atração que dizem ser fascinante. Tampouco chegamos a fazer as trilhas dos parques naturais, também apontando como um dos pontos altos nas viagens a STP. Assim, ainda haverá muito por fazer num futuro próximo em que possamos realizar novamente essa viagem inesquecível por esse simpático e acolhedor país africano e irmão do Brasil.


Guilherme Purvin



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