Mineração no Brasil: Histórico Constitucional
- Guilherme Purvin
- 4 de mai.
- 10 min de leitura
Atualizado: 6 de mai.
Guilherme José Purvin de Figueiredo
A extração minerária e a formação histórica da América Latina
A história da América Latina está profundamente marcada pela atividade mineradora. No período colonial, a exploração de metais preciosos — especialmente ouro e prata — foi central para a economia de diversas regiões, como o Vice-Reino do Peru e a Nova Espanha. No caso do Brasil, contudo, a mineração só ganhou expressão econômica significativa a partir do final do século XVII.
Segundo a clássica divisão proposta por Caio Prado Júnior em História Econômica do Brasil, entre 1500 e 1640 a economia colonial brasileira esteve centrada inicialmente na extração do pau-brasil (1500–1530) e, posteriormente, na produção agrícola, especialmente a do açúcar, com base em latifúndios escravistas voltados à exportação. Nesse contexto, Prado Jr. distingue dois setores produtivos: os bens de exportação (açúcar, tabaco) e as atividades acessórias, voltadas à subsistência da população envolvida na produção exportadora.
Após o período da União Ibérica (1580–1640), Portugal enfrentava dificuldades econômicas e perda de posições estratégicas na Ásia, enquanto tentava reorganizar seu império ultramarino. A descoberta de ouro nas Minas Gerais, no final do século XVII, representou uma nova oportunidade de enriquecimento, levando ao rápido crescimento de núcleos urbanos e à interiorização da colonização. Esse processo atraiu contingentes populacionais variados, tanto da metrópole quanto de outras regiões da colônia.

Em 1702, foi promulgado o Regimento do Ouro, considerado o primeiro marco jurídico da mineração no Brasil. O regimento regulamentava a extração e instituía a cobrança do quinto — o tributo de 20% sobre o ouro extraído — além de normatizar a atuação da Coroa portuguesa na região das minas. Esse sistema daria origem a tensões fiscais e sociais que se agravariam nas décadas seguintes, culminando, por exemplo, na derrama e na Inconfidência Mineira.
Em 1734, foi criada a Intendência dos Diamantes, sediada em Arraial do Tijuco (hoje Diamantina, Minas Gerais), pelo governo português, sob o reinado de Dom João V. Ela pode sim ser considerada a primeira agência estatal especificamente voltada à administração da atividade mineradora no Brasil, com foco na fiscalização e controle da exploração de diamantes. Suas funções eram:
Fiscalizar e controlar a produção diamantífera;
Recolher impostos devidos à Coroa (como o quinto);
Conceder ou revogar autorizações para a lavra;
Reprimir o contrabando e a extração clandestina;
Administrar a chamada Demarcação Diamantina — uma área de lavra reservada exclusivamente à Coroa portuguesa.
Antes dela, existia a Intendência das Minas, criada em 1702 com o Regimento do Ouro. No entanto, essa atuava de forma mais ampla e descentralizada, supervisionando a produção aurífera em diversas vilas.
A Intendência dos Diamantes, por sua vez, foi uma estrutura mais especializada e centralizada, sob administração direta da Coroa, com regras e fiscalização próprias. Assim, ela pode ser considerada a primeira agência estatal brasileira voltada exclusivamente à mineração, marcando um momento de centralização e controle direto por parte da Coroa sobre os recursos minerais de alto valor, como os diamantes.
A atividade mineradora em Ouro Preto foi intensa e dominante durante todo o Século XVIII, especialmente entre 1700 e 1750, quando Vila Rica se tornou a cidade mais rica e populosa da colônia. A partir de 1780, ocorre um declínio acentuado, com o esgotamento das jazidas mais acessíveis. O fim efetivo da mineração de ouro como atividade principal ocorre no início do Século XIX, embora até o Século XX possa-se falar em mineração residual ou industrial, mas sem a mesma centralidade econômica.
O Regimento do Ouro de 1702 é o verdadeiro ponto de partida do Direito Minerário no Brasil.

Constituição de 1824
A Constituição de 1824 apenas herdou e preservou esse modelo, sem discipliná-lo expressamente. A regulação continuou a se dar por decretos e regimentos infraconstitucionais. Qualquer artigo que situe o nascimento do Direito Minerário na Constituição de 1824 está conceitualmente incorreto. A origem remonta ao século XVIII, com normas coloniais que continuaram vigentes após a independência.

Constituição de 1891
A primeira Constituição da República, de 1891, assim dispôs sobre o tema:
Art.72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes: (Redação dada pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926)
17. O direito de propriedade mantem-se em toda a sua plenitude, salvo a desapropriação por necessidade, ou utilidade pública, mediante indemnização prévia. (EC de 3.9.1926)
A As minas pertencem ao proprietario do sólo, salvo as limitações estabelecidas por lei, a bem da exploração das mesmas. (EC de 3.9.1926)
b) As minas e jazidas mineraes necessarias á segurança e defesa nacionaes e as terras onde existirem não podem ser transferidas a estrangeiros. (EC de 3.9.1926)
Entre 1891 e 1934, o Brasil adotou o Regime de Acessão, conforme a Constituição de 1891, que unificava a propriedade do solo e do subsolo, permitindo ao proprietário do terreno explorar livremente os recursos minerais. Essa liberdade refletia o liberalismo econômico da época e incluía o direito de vender ou doar jazidas. Contudo, preocupações com a soberania nacional e o crescente interesse estrangeiro motivaram medidas restritivas, como o Decreto 2.933/1915 e a Lei Simões Lopes de 1921, que buscavam limitar o poder dos superficiários e ampliar o controle estatal sobre a mineração.

Constituição de 1934
A Constituição de 1934 marcou a transição para o Regime Dominial, separando a propriedade do solo da do subsolo. Os recursos minerais passaram a ser bens da União, cuja exploração dependeria de autorização ou concessão federal. Essa mudança refletia o nacionalismo do governo Vargas, inspirado no Estado Social de Direito da Constituição de Weimar. Buscava-se proteger o interesse coletivo, organizar a atividade minerária e restringir a participação estrangeira.

Constituição de 1937
Com a Constituição de 1937, o Regime Dominial foi mantido e reforçado. A exploração mineral permaneceu submetida ao controle estatal, e só brasileiros ou empresas com acionistas brasileiros poderiam obter concessões. O período foi marcado por uma política de nacionalização da mineração e pelo surgimento de empresas estratégicas como a Companhia Siderúrgica Nacional (1941) e a Vale do Rio Doce (1942), integrando a mineração ao projeto desenvolvimentista do Estado.

Constituição de 1946
A Constituição de 1946 manteve o domínio da União sobre os recursos minerais, mas flexibilizou a participação de capital estrangeiro. O artigo 153, §1º, autorizava sociedades organizadas no Brasil, inclusive com capital estrangeiro, a explorarem jazidas. Isso gerou conflitos com o Código de Minas de 1940, ainda restritivo quanto à presença estrangeira. Em 1963, o STF julgou inconstitucionais essas restrições, favorecendo a liberalização da participação estrangeira na mineração, num contexto de crescente demanda internacional por minerais e necessidade de modernização econômica.

Constituição de 1967 e EC 1/1969
Durante o regime militar (1964–1985), o Regime Dominial permaneceu, reafirmado pelas Constituições de 1967 e pela Emenda de 1969. O Estado investiu fortemente na expansão do setor mineral, consolidando a infraestrutura e fortalecendo a Vale do Rio Doce. O Código de Mineração de 1967 (Decreto-Lei 227/67), ainda vigente, estabeleceu regras modernas, como a transferência da prioridade de pesquisa do proprietário do solo para quem requeresse primeiro, promovendo segurança jurídica e eficiência.[1]

Fundamentos Constitucionais da Mineração na Constituição de 1988
A Constituição de 1988 manteve o regime dominial, confirmando que os recursos minerais pertencem à União (art. 20, IX). Inicialmente, restringia a exploração a empresas de capital nacional, mas essa exigência foi retirada pela Emenda Constitucional nº 6/1995, que passou a permitir a atuação de empresas constituídas sob leis brasileiras, independentemente da origem do capital, abrindo definitivamente o setor mineral ao capital estrangeiro.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece um marco jurídico claro e abrangente para a regulação da atividade minerária, conferindo à União o domínio dos recursos minerais e fixando os princípios da exploração racional, da repartição de receitas e da proteção socioambiental.
O artigo 20, inciso IX define os recursos minerais, inclusive os do subsolo, como bens da União, estabelecendo a titularidade pública sobre tais riquezas, independentemente da propriedade do solo. O §1º do mesmo artigo assegura a participação de entes federativos nos resultados econômicos da exploração, por meio de participação direta ou compensações financeiras (como os royalties da Compensação Financeira pela Exploração Mineral – CFEM).[2]
No artigo 21, inciso XXIII, a Constituição determina que compete à União explorar serviços e instalações nucleares, incluindo o monopólio estatal sobre minérios nucleares e seus derivados. Essa atividade está condicionada a fins pacíficos, exige aprovação do Congresso Nacional, e permite a utilização de radioisótopos para fins científicos, médicos, industriais e agrícolas sob regime de permissão.[3]
O artigo 22, inciso XII estabelece que é competência legislativa privativa da União legislar sobre jazidas, minas e metalurgia, assegurando uniformidade regulatória nacional para o setor mineral.[4]
Conforme o artigo 23, inciso XI, a competência para registrar, acompanhar e fiscalizar concessões de direitos de pesquisa e lavra é comum entre os entes federativos, reconhecendo a necessidade de articulação institucional para o controle das atividades extrativas em nível local e regional.[5]
A exploração mineral em terras indígenas é disciplinada pelo artigo 49, inciso XVI e pelo artigo 231, § 3º, os quais exigem autorização do Congresso Nacional e consulta prévia às comunidades indígenas afetadas, além de lhes garantir participação nos resultados da lavra, reforçando o princípio do consentimento informado e da justiça distributiva.[6]
O artigo 176 reforça o regime dominial público dos recursos minerais, ao prever que jazidas e demais recursos minerais são propriedade distinta da do solo, pertencendo à União. A exploração é realizada por meio de autorização ou concessão, sendo garantido ao concessionário o direito à propriedade sobre o produto extraído.[7]
No campo da proteção ambiental, o artigo 225, §2º impõe ao explorador mineral o dever de recuperar o meio ambiente degradado, conforme critérios técnicos estabelecidos por órgãos públicos competentes. Este dispositivo explicita o princípio da responsabilidade ambiental objetiva e reafirma a função socioambiental da mineração.[8]
Por fim, o conjunto desses dispositivos evidencia que o ordenamento constitucional brasileiro impõe à atividade minerária uma dupla obrigação: promover o aproveitamento econômico racional dos recursos naturais e garantir a sustentabilidade ambiental e social nos territórios afetados.
Linha do Tempo do Regime Constitucional Minerário Brasileiro
Ano | Evento | Descrição |
1891 | Constituição de 1891 | Adota o Regime de Acessão: o proprietário do solo detém também o subsolo. |
1915 | Decreto nº 2.933 | Primeira tentativa de controle estatal sobre a exploração mineral. |
1921 | Lei Simões Lopes | Busca limitar o domínio do superficiário e aumentar o controle público. |
1934 | Constituição de 1934 | Início do Regime Dominial: o subsolo passa a pertencer à União. |
1934 | Código de Minas de 1934 | Regulamenta a exploração mineral sob controle estatal. |
1937 | Constituição de 1937 | Reforça o domínio da União e proíbe a participação estrangeira. |
1940 | Código de Minas de 1940 | Aprofunda o controle estatal e restringe a exploração estrangeira. |
1946 | Constituição de 1946 | Mantém o domínio da União, mas permite exploração por empresas com capital estrangeiro. |
1963 | Decisão do STF | Declara inconstitucional a restrição a estrangeiros no Código de 1940. |
1967 | Código de Mineração (DL 227/67) | Institui regras modernas de pesquisa e concessão mineral. |
1967 | Constituição de 1967 | Reafirma o domínio da União e a possibilidade de participação estrangeira. |
1988 | Constituição de 1988 | Confirma o domínio da União sobre os minérios (art. 20, IX). |
1995 | Emenda Constitucional nº 6 | Remove exigência de capital nacional, permitindo capital estrangeiro. |
Notas:
[1] Sobre a evolução histórica constitucional, confira-se: SOUZA, Edson Elito Moreira de; SILVA, Edson Paccola Moreira da. A importância da gestão de pessoas nas organizações. Contribuciones a las Ciencias Sociales, [S.l.], v. 16, n. 5, p. 1-12, maio 2023. Disponível em: https://ojs.revistacontribuciones.com/ojs/index.php/clcs/article/view/3440/2666. Acesso em: 05.05.2025.
[2] Art. 20. São bens da União: (...) IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo; (...) § 1º É assegurada, nos termos da lei, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 102, de 2019)
[3] Art. 21. Compete à União: (...) XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional; b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para pesquisa e uso agrícolas e industriais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 118, de 2022); c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, a comercialização e a utilização de radioisótopos para pesquisa e uso médicos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 118, de 2022); d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)
[4] Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;
[5] Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;
[6] Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (...) XVI - autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais; (...).Art. 231 (...)§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
[7] Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.
[8] Art. 225 (...) - § 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
Sobre o autor: Guilherme José Purvin de Figueiredo, Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo, com graduação também em Letras pela mesma instituição, desenvolve pesquisa pós-doutoral no Departamento de Geografia da FFLCH-USP, dedicando-se ao estudo das interfaces entre Literatura, Ecologia e Mineração na cultura andina. Idealizador do curso "Literatura e Ecologia" do Programa Apolo-USP, desenvolve investigações transdisciplinares nas áreas de Direito Ambiental, Geografia e Literatura. Exerce a coordenação internacional do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública e da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil, além da Academia Latino Americana de Direito Ambiental. Autor de obras jurídicas e literárias, publicou recentemente seu quinto livro de contos, "Onde começa o hemisfério".
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