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A ecologia em obras latino-americanas de autoria feminina

  • Foto do escritor: Guilherme Purvin
    Guilherme Purvin
  • 15 de abr.
  • 4 min de leitura

Guilherme José Purvin de Figueiredo


Podemos tomar como marco fundante da literatura de autoria feminina com viés ecológico as obras Frankenstein (O Prometeu Moderno) e The Last Man, de Mary Shelley. Somente em 1905 é que surgiria outra obra de relevância ecocrítica. Trata-se de Sultana's Dream, de Rokeya Sakhawat Hossain (Bangladesh), onde a autora aborda temas atualíssimos, como tecnociência solar, jardins urbanos e paz ecológica sob liderança feminina não violenta e racional.

A literatura de autoria feminina na América Latina, porém, não vem sendo devidamente estudada sob uma perspectiva ecocrítica. Nesse sentido, relacionei algumas obras que acredito possam vir a constituir um corpus bastante rico para estudos ecofeministas literários.

O primeiro nome que me acode é o de Julia Lopes de Almeida (BRASIL), autora do magnífico romance "A Falência". Além dele, que é sem dúvida sua obra-prima, Julia Lopes de Almeida (que deveria ser a primeira mulher a integrar a ABL, mas que foi homenageada na figura de seu marido, devido às restrições impostas na época pela adoção de um modelo francês), destaco o livro A Árvore. Nele, a autora humaniza o jardim, valoriza a natureza e antecipa temas da ecocrítica feminista.

Igualmente relevante é a obra de Patrícia Galvão (BRASIL). Pagu escreveu Parque Industrial, denúncia a exploração capitalista do corpo e da cidade, com crítica social e ambiental implícita. Trata-se de uma das obras mais relevantes para o estudo do meio ambiente urbano proletário no início do Século XX.

Também inafastável é o estudo da obra de Rachel de Queiroz (BRASIL), em especial do romance O Quinze, sobre as secas no Nordeste brasileiro.


Além destes três nomes, fundantes da ecoliteratura de autoria feminina no Brasil, relaciono aqui as seguintes autoras latino-americanas e respectivas obras que estão a merecer uma análise mais detida no âmbito da crítica ecológica literária:


Aline Valek (BRASIL) - Cidades Afundam em Dias Normais – Desaparecimento e ruína ecológica.

Ana Maria Gonçalves (BRASIL) - Um defeito de cor - O romance evoca ecologia ancestral ao relacionar território, corpo negro, migração forçada e destruição colonial da terra.

Ana Varela Tafur (PERU) - Lo que no veo en visiones – Poesia sobre Amazônia e devastação ambiental.

Aparecida Vilaça (BRASIL) - Ficções Amazônicas – Povos indígenas e ecologia narrativa.

Conceição Evaristo (BRASIL) - Ponciá Vicencio -  Denuncia desigualdades socioambientais, articulando racismo, gênero e território com sensível consciência ecológica e ancestralidade.

Eliane Potiguara (BRASIL) - A Cura da Terra – Cosmovisão indígena e natureza.

Fernanda Trías (URUGUAI) - Gosma Rosa – Crise ambiental, infertilidade e distopia.

Gioconda Belli (NICARÁGUA) –El país de las mujeres - Crítica ao patriarcado e ao extrativismo, a obra aborda políticas ecológicas, como a proteção de recursos naturais e a rejeição a modelos de desenvolvimento predatórios. 

Gláucia Vale e William Vale (BRASIL) – A mãe do ouro - Aborda temas relacionados à degradação ambiental e às consequências da mineração, oferecendo uma perspectiva crítica sobre a relação entre humanidade e natureza.

Isa Colli (BRASIL) - O Pirulito das Abelhas – Educação ambiental para crianças.

Liliana Colanzi (BOLÍVIA) – Vocês brilham no escuro - Contos com forte temática ambiental. Destacam-se narrativas sobre mineração, paisagens áridas e a relação entre humanos e natureza, muitas vezes em contextos de violência e exploração. 

Maria José Silveira (BRASIL) - Maria Altamira – Belo Monte, Amazônia, justiça ambiental.

Marina Colasanti (BRASIL) - Entre a Espada e a Rosa – Contos simbólicos e natureza.

Morgana Kretzmann (BRASIL) - Água Turva – Hidrelétricas, conflitos e ecologia.

Natalia Borges Polesso (BRASIL) - A Extinção das Abelhas – Biodiversidade e colapso ambiental.

Paulliny Tort (BRASIL) - Erva Brava – Violência ambiental e agronegócio.

Regina Rheda (BRASIL) - Humana Festa – Direitos animais e crítica ecocentrada.

Rita Carelli (BRASIL) – Terrapreta - Saberes indígenas, denúncia da devastação ambiental e promoção de diálogo intercultural.

Samanta Schweblin (ARGENTINA) - Distância de Resgate – Agrotóxicos e crise ecológica.


O levantamento realizado evidencia que a produção ficcional de autoria feminina na América Latina constitui um terreno fértil e ainda insuficientemente explorado pela crítica ecocrítica.


A partir de Mary Shelley e Rokeya Hossain, observa-se uma lacuna temporal significativa até o florescimento de uma ecoliteratura escrita por mulheres em países do Sul global — lacuna esta que vem sendo preenchida por autoras latino-americanas que, com distintos estilos e contextos, abordam de forma contundente as tensões entre natureza, tecnologia, corpo e território. Obras como Um Defeito de Cor, Ponciá Vicencio, Terrapreta, Maria Altamira, Água Turva e Distância de Resgate demonstram o engajamento de suas autoras com temas como justiça ambiental, resistência indígena, impactos do agronegócio e ecofeminismo.


Esses textos não apenas atualizam o debate literário em torno das crises ambientais, como também ampliam o horizonte interpretativo da própria ecocrítica, incorporando vozes, paisagens e conflitos historicamente marginalizados. É tempo de reconhecer esse corpus como essencial à crítica literária do Antropoceno.

Sobre o autor: Guilherme José Purvin de Figueiredo, Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo, com graduação também em Letras pela mesma instituição, desenvolve pesquisa pós-doutoral no Departamento de Geografia da FFLCH-USP, dedicando-se ao estudo das interfaces entre Literatura, Ecologia e Mineração na cultura andina. Idealizador do curso "Literatura e Ecologia" do Programa Apolo-USP, desenvolve investigações transdisciplinares nas áreas de Direito Ambiental, Geografia e Literatura.


Este artigo está licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição–NãoComercial–SemDerivações 4.0 Internacional. Você pode ler, compartilhar e citar trechos desta obra, sem modificações e sem fins comerciais, desde que a fonte e o autor sejam corretamente mencionados.

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