Guilherme Purvin
Às duas da tarde, dona Francisca enfiou o rosto na janelinha por onde passava os pedidos dos fregueses e alertou:
"Seu Quirino, já deu quatro horas, vai querer renovar por mais um período?"
Aborrecido com a interrupção justamente no momento em que suspeitava que afinal chegaria ao clímax, o secretário de educação e serviço funerário do município de Tijuco Verde reclamou:
"Eita, dona Francisca! Custava ter avisado dez minutos antes que a hora estava chegando?"
"Desculpa, seu Quirino. Se quiser, dou um bônus de mais dez minutos pro senhor mais sua prima se aprumarem."
Lucrécia, a "prima" do secretário, reclamou:
"Puxa, Quiqui, só mais dez minutos? Hoje nem tem nada marcado na repartição!"
"Taimismoni, Lulu, conhece o ditado? Se dona Francisca cobrasse porpo... porpocio... propro... Se ela cobrasse por hora e não a cada quatro horas, eu até teria como custear até as quinze horas da tarde."
"Deixa que eu pago, Quiqui."
"Um período inteiro?"
"É, eu pago."
"Então fechou! Dona Francisca, a senhora..."
"Já ouvi, seu Quirino. Pode deixar que daqui lá pelas quinze pras seis eu dou umas batidinhas na porta pra avisar o fim do período. E desculpa pelo incômodo, achei que o senhor podia se aborrecer se perdesse a hora."
"Vai-te, vai-te dona Francisca, e me deixe em paz com minha prima."
Passam-se quinze minutos e dona Francisca enfia novamente a cara no passa-volumes giratório:
"Seu Quirino, tem um mimo aqui pro senhor e sua prima. Brinde da casa, pelo transtorno que lhe causamos."
Quirino ergue-se depressa, não sem antes enrolar-se num lençol, pois detesta deixar o trazeiro à mostra. Volta com uma bandeja:
"Humm, veja só Lulu! Meia-de-seda e torresmo grátis. Por isso que eu prestigio este Motel Hot Sun" - mais conhecido como "Ratazan".
E assim passa-se mais um dia na administração municipal da secretaria do seu Quirino.
'Time is money" pode ser um capítulo do romance "Descendo a Ladeira", de Guilherme Purvin. Ou, quiçá, um conto independente.