- Guilherme Purvin
O pianista da Sibéria 1
Atualizado: 4 de jan. de 2021
- Guilherme Purvin -
Capítulo 1 - VLADIVOSTOK

Nos mapas da Dinastia Yuan (1271-1368), o local era conhecido como cidade da luz eterna. Três séculos mais tarde, passou a ser identificado como as Falésias do Ginseng, talvez em razão da presença de ladrões desse produto na região. Somente em 1850, com a assinatura do Tratado de Aigun, é que o território saiu das mãos dos chineses e passou ao domínio russo. Para fomentar a sua ocupação, decidiu-se criar um porto de livre comércio e a abertura de um estaleiro naval. O povoado, formado por russos, chineses e coreanos, ao final do Século XIX ganharia o status de cidade.
Nessa mesma época, Gleb Maximilianovich Krzhizhanovsky, um cientista de origem polonesa nascido em Samara, fundava a Liga de Luta pela Emancipação da Classe Trabalhadora em São Petersburgo. Era o ano de 1895 e quem estava ao seu lado nesse evento político era seu amigo íntimo Vladimir Lenin. Um quarto de século mais tarde, a amizade ainda persistia e Krzhizhanovsky, agora com pouco menos de 50 anos de idade, era nomeado Chefe da Comissão de Eletrificação da Rússia.
“Comunismo é igual a poder dos Sovietes mais eletrificação de todo o país” – o lema, lançado por seu velho amigo e líder da Revolução Russa naquele mês de novembro de 1920, resumia os objetivos da “Comissão do Estado para Eletrificação da Rússia”, mais conhecido como Plano GOELRO. Esse primeiro plano econômico da União Soviética estabeleceria a divisão do território russo em oito regiões. A oitava e mais distante região era a Sibéria, as antigas falésias do ginseng, última estação da Transiberiana, a maior Estrada de Ferro do mundo, onde estava situada a antiga cidade chinesa, agora o mais importante porto soviético no Pacífico: Vladivostok.
Naquele gélido final de linha, um homem de um metro e setenta e tez morena trabalhava para a empresa alemã Siemens. De ascendência portuguesa, havia casualmente nascido em Shangai, na China. De Shangai para Vladivostok, era necessário tomar um navio, atravessar o Mar Amarelo, passar entre a Coréia e o Japão, prosseguir pelo Mar do Japão. Mas ele não vinha de Shangai, na verdade aquele Engenheiro Eletrotécnico era um dos homens-chave da Siemens e cruzara toda a Ásia nos vagões da Transiberiana. Sua tarefa era trabalhar na implantação do sistema elétrico de Vladivostok, conforme plano traçado por Krzhizhanovsky para a concretização do ideal eletrificado de comunismo do GOELRO. Nos planos da empresa alemã, naturalmente concorreu a sua competência na área da engenharia elétrica, mas o fator principal talvez tivesse sido seu biótipo: um engenheiro loiro de olhos azuis, realmente, não seria visto com bons olhos naqueles confins da União Soviética. A estatura e a tez de Guilherme Maria Alves de Figueiredo foram decisivas para sua ascensão profissional junto à Siemens.
Guilherme Maria havia se casado com sua secretária, Wilhelmine Purvin, uma jovem bonita, filha caçula do estoniano Jan Angden Purvin e da letoniana Made Thomas Este Bude. O pai de Wilhelmine era músico e a família professava a fé luterana. Talvez fossem judeus – o nome da família era suspeito, significava pântano em letão, nada tinha de cristão. Se isso era verdade, o fato foi muito bem escondido dos filhos que Wilhelmine viria ter anos mais tarde. Afinal, ser judeu na região do Mar Báltico não era algo muito tranquilo. Eram famosos e frequentes os violentos famigerados pogroms – ataques físicos da população eslava contra determinadas famílias, em particular as judias.
A família Purvin morava em Riga, na Letônia, e as cidades economicamente mais poderosas e próximas eram São Petersburgo e Moscou. Já em 1898 os alemães haviam fundado em São Peterburgo a Russische Elektrotechnische Werke Siemens & Halske AG e, na mesma cidade, um poderoso empresário sueco chamado Lars Magnus Ericsson, que iniciara em 1876 um grande empreendimento em Estocolmo na promissora área da eletricidade, no começo do século havia adquirido a empresa de Thore Cedergren, que havia acabado de ganhar as concessões de telefone em Moscou. Não havia futuro em Tallinn nem em Riga. Wilhelmine e seus irmãos procuraram a sorte em Moscou. Ali, Wilhelmine obteve emprego de secretária na empresa alemã Siemens, onde passou a trabalhar diretamente para o engenheiro eletrotécnico baixinho moreno, falador, irrequieto, poliglota e galanteador. Sozinha em Moscou, distante dos pais e dos irmãos (os mais velhos, Karl Heinrich e Waldemar, haviam simplesmente desaparecido), Wilhelmine ficou encantada ao saber que o nome dela era o feminino do nome dele: quando tivessem um filho, haveria de se chamar também Guilherme.
São Paulo, 5 de março de 2019
Continuação - Capítulo 2 - Lully e a lâmpada de Ilyich