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Arte e ativismo em Mark Bradford

Guilherme Purvin

Atualizado: 27 de set. de 2023

- Guilherme Purvin -


A Fundação Serralves (no Porto) expõe algumas obras de um certo Mark Bradford. Logo na entrada, o visitante atravessa um corredor totalmente coberto por posters com um anúncio de serviços de advocacia: "Divorce & Custody - 877-496-0300".

Foto: Guilherme Purvin (9.6.2022)

A impressão inicial é dúbia. Vem à mente Andy Warhol, mas a sensação logo passa, pois é evidente que o artista está longe de se preocupar com a fama individual efêmera e a reprodução em massa típica da sociedade de consumo nos anos 1960. Em lugar de Marilin Monroe, Gioconda ou Sopas Campbell, o que se lê é uma mensagem ríspida e opressora, num contexto de miséria social. Ao mesmo tempo, concretamente, não estou agora num desses bairros, mas em meio a uma instalação que integra a série "Merchand Posters", num setor do Museu de Arte Contemporânea dessa importante fundação localizada numa área nobre da cidade do Porto. A questão, no caso, é que o artista não esconde a origem do material, não o transforma num processo de reciclagem em matéria bruta para a elaboração de novo objeto.


O catálogo da exposição, intitulada Ágora, esclarece a ideia de Mark Bradford por detrás dos Merchand Posters, reportando-se a outro trabalho seu da mesma série:


"The King's Mirror, um anúncio impresso repetido em série, contém a seguinte mensagem: 'Sexy Cash We Buy Hoses Ugly-Nice-Old-New 323-606-7854" (Dinheiro sexy compramos casas feias bonitas velhas novas 323-606-7854). Anúncios como este proliferam nas ruas da cidade de Los Angeles e Bradford usa-os para a série 'Merchand Posters', que vem desenvolvendo há anos, muitas vezes furtando-os diretamente dos postes de eletricidade e cercas onde tinham sido colados. Frequentemente, os cartazes anunciam serviços especulativos - empréstimos com altas taxas de juros, seguros em caso de execução de hipotecas, dinheiro fácil pela venda de carros - que têm prosperado na América à medida que o fosso entre ricos e pobres continua a crescer. Para Bradford, constituem bases tanto formais como conceptuais para os seus trabalhos, décollages / colagens implicadas nas pressões de paisagem urgana. 'A mera densidade desta publicidade cria uma massa psíquica, uma sobreposição que pode por vezes ser muito tensa ou agressiva', afirma o artista, que explicou em 2005 como recolhe os elementos para a sua arte: 'Não recolho todos os cartazes. Geralmente escolho os anúncios comerciais porque falam de um serviço e esse serviço fala de um corpo, e esse corpo fala de uma comunidade, e essa comunidade fala de muitas conversas diferentes'".


Detalhe de ‘The King’s Mirror’ (2014) - Foto do autor para "Hyperallergic") - In: https://hyperallergic.com/164409/sea-monsters-and-liquid-geography/ (Online 11-6-2022)

É automática a associação histórica, geográfica e sociológica que se faz entre as duas instalações aqui mencionadas: a eclosão da crise imobiliária nos EUA, a proletarização da classe média e a dissolução de vínculos familiares. O rei, isto é, o sonho americano, está nu...

Em 12 de junho de 2017, o artista concedeu uma entrevista para Barry Jenkins, da Interview Magazine. Jenkins perguntava a Bradford se não se envergonhava de incluir uma dose de ativismo em sua arte - naquele caso, um projeto em Veneza intitulado "Process Collectivo", versando sobre a criação de uma loja para presidiários locais. O entrevistador sintetizou esta característica do artista com a frase: "Quando Mark Bradford faz algo, não há dúvida de que é sobre algo".


Atente-se que não se está a falar simplesmente em "arte engajada" - de que seriam exemplos a canção de Sirlan, mencionada em outro artigo ("Viva Zapátria"), mas ação concreta objetivando alguma mudança social. Imaginemos o Padre Júlio Lancelotti, por exemplo, exercendo seu sacerdócio na Igreja Católica mas sem jamais dissociá-lo da ação em defesa da população sem teto nas ruas de São Paulo.


Mark Bradford é exatamente assim. Como explicou em resposta à indagação provocadora do entrevistador, ele não coloca uma barra depois do termo artista: artista/ativista. Para ele, a definição do que significa ser artista precisa ser expandida para abranger outras áreas. Ele é um artista e isto significa para ele ter liberdade para incorporar em sua criação o que ele entender pertinente, pois não é preciso ficar mudando de nome: artista, ativista etc., etc.. Basta recusar-se a apagar suas múltiplas facetas em sociedade.


O artista norte-americano, aos onze anos de idade, mudou-se com a mãe para uma cidade próxima a Los Angeles (Santa Monica). Adolescente, trabalhava no salão de cabelereiro da mãe. Aos 31 anos iniciou os seus estudos artísticos, licenciando-se em Artes. Em 2017, representou os EUA na 57ª Bienal de Veneza, com a exposição "Tomorrow is Another Day". Desde então suas exposições têm sido com justiça aclamadas internacionalmente.


(...to be continued...)

 

Guilherme Purvin é graduado em Direito e Letras pela USP e Doutor pela Fac. Direito da USP. Autor dos livros de contos "Laboratório de Manipulação", "Sambas & Polonaises" e "Virando o Ipiranga.

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