= Guilherme Purvin =
Ouça esta matéria no podcast Narrativas do Antropoceno - Episódio 32 (bônus: entrevista com artesão local).
Depois de seis horas sobrevoando gigantescas áreas desérticas da Argélia, Niger e Nigéria, o avião agora atravessa o Golfo da Guinea, em pleno Atlântico, na linha do Equador que mais ao ocidente, alcançará o Estado do Amapá. Às 18h30, o avião da TAP aterrisa no Aeroporto Nuno Xavier. A temperatura é de aproximadamente 30 graus. Depois de uma rápida inspeção do atestado de vacinação contra febre amarela pelas autoridades sanitárias, seguimos para que os passaportes sejam carimbados.
Mais alguns minutos e já estamos na rua, onde dois homens um pouco atrapalhados perguntam os nossos nomes. O rapaz que nos leva chama-se Edson Silva Silva (* nome fictício; mantive apenas a aliteração) e, sintomaticamente, ele também é tartamudo. Insiste para que o contratemos como seu guia para passeios pela ilha, mesmo depois de explicarmos que no dia seguinte iremos para Príncipe. Ele diz que é ele mesmo que irá nos levar para o aeroporto às 7h30. No entanto, nosso avião só partirá às 15h. Somos levados a uma van sem refrigeração onde ficamos esperando por quarenta minutos, explicando às crianças que querem vender coisinhas que não temos dinheiro, que não queremos nada. Até que o motorista chegue informando que éramos os únicos passageiros para o Hotel Pestana e que a van, realmente, não tem ar condicionado.
No caminho, ele dá carona a uma policial santomense amiga dele. Os dois conversam sobre uma manifestação no dia anterior num bairro chamado Angolares: colocaram fogueira na estrada em protesto contra as péssimas condições da estrada: "Há um buraco onde cabem setenta pessoas" - diz o motorista à policial. Pergunto ao motorista e à policial se há alguma festa no dia de hoje em comemoração ao dia dos Reis Magos. Eles nos explicam que em São Tomé não se comemora essa data.
Quando já estamos quase chegando, pergunta-nos em que hotel Pestana vamos ficar. Nem sabíamos que havia mais de um. Depois ficamos sabendo que já houve três hotéis dessa rede aqui na cidade. No balcão, aparece uma fatura de cem euros para cobrança do transfer. Eu digo que aquele valor é absurdo, com ele eu compraria uma bicicleta e viria do aeroporto pedalando. Os recepcionistas riem e reconhecem que realmente há algo de errado naquele valor. No fim, verificam que houve um erro no transfer, que estavam cobrando por um transporte individual de luxo que acabou não sendo utilizado. Pedem desculpas e dizem que nada será cobrado.
O hotel fica defronte ao mar. Lembra aqueles velhos hotéis de estâncias hidrominerais dos anos 1960, não obstante tenha sido inaugurado em 2008. No quarto, há um prato com pedaços de manga, mamão, banana fresca e passa, jaca e maçã. Como todas as frutas, dispensando apenas as maçãs. Em seguida, descemos para jantar no restaurante. A refeição é um buffet com algumas fatias de beringela grelhada, batatas assadas, cenouras cozidas, um picadinho de carne, tudo polvilhado do tempero micocó, apimentado e que lembra um pouco incenso. Não existe refrigerante zero. Tomo uma Pepsi e a Ana Cristina, uma água mineral. Preço total: 66 euros - um absurdo, pensei que se tratasse de 66 dobras, ou seja, pouco mais de dois euros. É o preço que seria cobrado num bandejão popular em São Paulo. Tudo bem, agora é descansar pois a viagem está apenas no começo. Do terraço do quarto, ouvimos as ondas baterem nas pedras e vemos os reflexos das poucas luzes que iluminam a noite na cidade. A paz é absoluta, sem o ruído de fundo dos carros e aviões das cidades, sem poluição e com um céu límpido e estrelado. A sensação é de que voltamos sessenta anos no tempo.
Ouça esta matéria no podcast Narrativas do Antropoceno - Episódio 32 (bônus: entrevista com artesão local).
= Guilherme Purvin =
São Tomé, 6 de janeiro de 2024
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