- Guilherme Purvin -
Quando passo pela capital da Argentina, gosto muito de visitar o MALBA - Museu de Arte Latinoamericano de Buenos Aires. É sempre um grande prazer visitar esse espaço cultural dedicado à integração continental, rever os quadros dos argentinos Xul Solar e Antonio Berni, dos mexicanos Frida Kahlo e Diego Rivera, dos brasileiros Tarsila Amaral e Emiliano Di Cavalcanti.
O MALBA evoca lembranças de um tempo em que havia um sonho de união dos povos latinoamericanos: criação do Mercosul, construção do Memorial da América Latina, shows do Grupo Tarancón e dos Raíces de America, descoberta dos poemas de Pablo Neruda, lançamento de novos livros de Gabriel García Marques, Julio Cortazar, Manuel Scorza e Alejo Carpentier. Época em que, na faculdade, questionávamos a história da Tríplice Aliança e debatíamos a obra de Domingos Laino, "Paraguay: Fronteiras e Penetração Brasileira", abordando questões relacionadas às fronteiras paraguaias e à influência estrangeira na região.
Mas os tempos são bem outros. Hoje, jornais pseudo-liberais relativizam a gravidade de gestos incontroversamente nazistas de Elon Musk e passam a mão na cabeça de seus asseclas latinoamericanos. Caem em cima de Gustavo Pietro e de Claudia Scheinbaum. E é exatamente por isso que saber que o MALBA continua a existir e a resistir que entrar naquele espaço cultural traz um certo alento.

Curiosamente, porém, estou pensando neste momento em números. Procuro saber por que estou relacionando arte latinoamericana com Matemática.
Talvez seja porque, dentre os pintores argentinos, um de meus preferidos seja Xul Solar, um cara que gostava tanto de Arte como de Matemática, podendo quase ser considerado um representante sul-americano do OuLiPo — criado por Raymond Queneau e Georges Perec, dentre outros — por sua exploração de linguagens, estruturas matemáticas e jogos de significados.
A primeira vez que vi os quadros de Xul Solar no MALBA, me apaixonei imediatamente por seu modo de ver o mundo - uma estranha fusão de surrealismo e rigor lógico. Comprei um livro com reproduções de algumas de suas principais obras e, desde então, em todas as minhas passagens pela Argentina, nunca perdi a oportunidade de ver suas obras. Também descobri que existe em Buenos Aires um museu somente dele, onde ficamos sabendo que, além de pintor, Xul Solar era um filósofo e inventor muito maluco. Criou idiomas e sistemas gráficos complexos, desenvolveu uma espécie de Esperanto, a "Panlengua", inspirada em conceitos estruturais matemáticos. Inventou também uma versão modificada do xadrez, o "Panchess", baseado em simetrias matemáticas. Em seu museu, há instrumentos que relacionam as notas musicais com cores, chamando particularmente a atenção seu piano com microtons e teclas coloridas, uma ideia que, em última análise, pretende fundir música e pintura - espécie de transsemiologia do subconsciente.
Outra hipótese para esta inoportuna reflexão sobre matemática em meio a uma viagem seria a relação inconsciente que faço entre o acrônimo do museu e um escritor que divertia a garotada na minha infância: Malba Tahan, pseudônimo de Júlio César de Mello e Souza (1895–1974), nascido em Queluz, autor do livro O Homem que Calculava. Não sei se ele era parente do professor Antônio Cândido de Mello e Souza, natural de Poços de Caldas. Quem sabe? Os livros de Malba Tahan devem ter levado muita gente a seguir carreira de Exatas. De minha parte, porém, acabei enveredando pela área de seu possível parente, o autor de "Parceiros do Rio Bonito".
A verdade, porém, é mais prosaica. Acho que tudo não passa de uma tentativa de compreender os preços das coisas por aqui. Na Argentina, o peso argentino foi amarrado no dólar. Mil pesos = um dólar. Não haveria problema algum se, por exemplo, uma coca-cola, que no Brasil custa cinco reais, aqui custasse mil pesos — isto é, um dólar. No entanto, o custo das coisas em Buenos Aires está idêntico ao de Nova York. Trinta reais por uma coca na Calle Florida, sinceramente, é algo duro de engolir.
Em meio a essa crise, aparentemente nem a famosa Faculdade de Direito da UBA está resistindo: em sua fachada, em lugar de alguma faixa de protesto político, há uma tremenda publicidade da Samsung. Eu disse aparentemente. Talvez algum amigo argentino consiga me explicar o que leva aquela faculdade a homenagear de forma tão ostensiva a multinacional sul-coreana.

Não sei de nada. Não sou expert em política argentina e o pouco que sei é da leitura de jornais brasileiros. De qualquer maneira, a mim, um brasileiro, é muito estranho me deparar com outdoors onde o garoto-propaganda é o presidente da República. "Beca Presidencia de la Nación" é uma iniciativa da universidade privada ESEADE em homenagem ao presidente argentino. A bolsa cobre 100% das mensalidades e visa promover a formação acadêmica alinhada aos princípios do livre mercado, respeito à propriedade privada e responsabilidade individual. O presidente daqui já havia recebido da ESEADE o título de Doutor Honoris Causa em 2022. Sinceramente, não sei nem o que falar a respeito.

Conversando com um motorista de táxi, que aqui não segue o padrão malufista dos cinesíforos bandeirantes, ele sintetizou o estado de espírito do povo argentino: não aguentam mais nem os políticos da "esquerda" tradicional nem os da (extrema) direita. Tudo o que queria era algum governo que respeitasse as conquistas dos Direitos Humanos, do Direito do Trabalho e da Previdência Social.
Tudo aqui na Argentina está muito estranho. Acho que já vim aqui pelo menos umas dez vezes, mas esta é a primeira em que passeio pela cidade e não enfrento fila em nenhum lugar. Os táxis correm pela cidade à procura de clientes. Os restaurantes e hotéis estão vazios. Mal se vê brasileiro na Recoleta ou em Puerto Madero. Às vezes, algum estadunidense. É que, a despeito do prazer que uma visita ao MALBA pode proporcionar, o brasileiro que aprendeu a calcular com Malba Tahan certamente vai optar pela Queluz do matemático. Ou pela Poços de Caldas do professor de Teoria Literária. Num gesto inócuo de protesto, apenas para encher o saco da direita, faço questão de posar ao lado do quadro "Guevara", de Cláudio Tozzi, com um boné mexicano de estrelinha vermelha, comprado na casa de Leon Trotsky.

Guilherme Purvin é escritor, doutor em Direito e pós-doutorando junto ao Departamento de Geografia da USP.